Nordestino e rico Manoel José Bonfim (1868-1932) foram e são até hoje, para quem o conhece um grande e polêmico historiográfico. Apesar de sua origem de filho de comerciante, muito bem sucedido, ele buscou sempre o conhecimento intelectual, mesmo não sendo a vontade de sua família. Estudou medicina no Rio de Janeiro onde foi professor, político, jornalista e em Paris estudou psicologia. Porém sempre recorria à generosa mesada de seu pai. Talvez tenha sido essa mesada que o manteve sempre dedicado a ciência.
Bonfim é um grande crítico da sua época, pois ele não mede suas palavras para criticar a história dos grandes “heróis” bragantinas. Porém o seu alvo era atingir os historiares que persistiam em escrever uma história influenciada pela elite bragantina. . No livro O Brasil na História — intitulado "Os que fizeram a História do Brasil" —, o autor identifica parte da produção historiográfica brasileira que considera ilegítima, através de uma crítica aos historiadores que responsabiliza pela deturpação da história do País. Também apresentam de modo sucinto, aqueles que consideravam como os verdadeiros historiadores nacionais: frei Vicente do Salvador, Robert Southey, Capistrano de Abreu e João Ribeiro. Manoel Bonfim buscava resgatar a identidade do Brasil, valorizando a sua gente e a sua raça de várias faces. Rompendo com o tradicionalismo e principalmente com as histórias deturpadas, omitidas e silenciadas.
O principal alvo do seu ataque foi à história portuguesa do Brasil escrita por historiadores que Bonfim considerava como ilegítimos representantes da nação brasileira porque seriam legítimos representantes da Coroa portuguesa. Foi por isso que incidiu ferozmente sobre Rocha Pitta (1660-1738), o "digno súdito do trono bragantino"; Alves Nogueira (m.1913), o "pró-holandês"; e, sobretudo, Varnhagen, para quem reservou uma série de adjetivos injuriosos: "historiador mercenário"; o "menos humano dos homens"; "brasileiro de encomenda"; "sem bondade"; "patriotismo de convenção"; "deturpador da história do Brasil". "Historiadores por encomenda, opacos refratores, sem outro maior valor que o da distorção", teria produzido para ele, uma história sem grande preocupação com a crítica e a doutrina nacionalista. Teriam optado por valorizar a erudição escrevendo vastas histórias, desenvolvidas em pormenores que revelaram tão somente o heroísmo bragantino.
“Ele (Bonfim) combateu a ‘história oficial’, que inaltecia os heróis luso-brasileiros que massacraram a população brasileira” (Reis - pág. 37)
Bonfim traz a tona um sentimento revolucionário e patriota, fazendo com que a história seja pronunciada. Bonfim conseguia ver o Brasil como os europeus viam o Brasil e como o mesmo era tão inferiorizado pelos europeus. E isso fez com que Bonfim abrisse o leque de críticas em relação à submissão dos escritores brasileiros, com as idéias européias. Principalmente a ideia de inferioridade dos negros e caboclos, que os intelectuais bragantinos extraíram do pensamento europeu. Mas além da preocupação com o rigor científico, o trabalho de articulação das informações através da narrativa parece-me importante para pensar no caso de Manoel Bonfim
A vanguarda revolucionária que Manoel Bonfim tanto desejava e sonhava se tornou em um grito sem eco, muito menos sem socorro. Porém não se pode dizer que o seu pensamento e suas idéias fossem ingênuas, pois o que Bonfim queria era uma história plenamente voltada a nação brasileira e não de uma minoria, que era a elite.
“Utopia… Utopia… Repetirá a sensatez rasteira. Utopia, sim; sejamos utopistas, bem utopistas; contanto que não esterilizemos o nosso ideal, esperando a sua realização de qualquer força imanente à própria utopia; sejamos utopistas, contanto que trabalhemos”. (Manoel Bonfim)
E o Brasil necessitava de algo que revolucionasse a nação brasileira. O espírito patriota de Bonfim, que ele fazia conhecer em suas obras, foi silenciada e esquecida por muito tempo, mas não deixa de ter sua importância historiográfica. Manoel Bomfim defendia a miscigenação no Brasil, valorizando-a e negando a validade científica das teorias racistas. Via na educação o “remédio” para o atraso do Brasil, para a emancipação das classes populares. Esse sentido libertário que ele atribuiu à educação é um dos princípios básicos para a construção da cidadania.
“ A mudança necessária no País para alçá-lo à condição de ‘civilizado’ não se relacionava a raça do povo, mas residia na promoção de uma educação popular gratuita à toda a gente brasileira. “Apenas por meio do processo educacional o Brasil poderia tornar-se uma grande nação social democrata”. (Manoel Bonfim)
Bonfim rompe a tradição secular em suas teses revolucionarias, porém solitária. Ele foi pioneiro e corajoso e também necessário para historiografia brasileira. Manoel Bonfim não aceitava a história oficial dos bragantinos, ele queria que o povo brasileiro fizesse parte da história de seu próprio país. Bonfim se mostra em toda a sua carreira contrario as idéias bragantinas, ao sistema da República, que para ele não se diferencia muito do Império. Apesar de toda sua coragem em suas críticas, Bonfim termina os seus dias desapontados e decepcionados com a situação do Brasil, e da sua história que estava sendo maquiada pela elite.
Bonfim teve ousadia em falar suas verdades, mas infelizmente sua voz foi quase solitária e silenciada. Talvez tenha sido ingenuidade da parte dele acreditar que todos o ouvissem. Mas tudo que escreveu de certo modo influenciou muitos ouros escritores, ou melhor, historiadores, apesar de ter se passado tanto tempo. Hoje os seus trabalhos são bem visto, despertando em seus leitores o valor da verdade.
Manoel Bonfim é sem dúvida nenhuma um grande historiador, revolucionário, patriota e um grande crítico. Sua ousadia era persistente e avassaladora, mas não se pode negar que todo seu radicalismo em suas famosas critica a outros historiadores, deveria ser mais ponderadas. Pois apesar de todo tradicionalismo e influencia bragantina, esses historiadores fazem parte também da história do Brasil. De certo modo a influencia européia teve sua parcela de contribuição para a nação brasileira.
As interpretações de Manoel Bonfim a respeito da história, da historiografia e dos historiadores de seu tempo não podem ser separadas de suas representações sobre o fazer político. Esta associação é que permite analisar sua atitude crítica, assim como possibilita recuperar a função que era atribuída à escrita da história, em seus textos. Em sua época, a historiografia e os historiadores eram avaliados em meio à tensão entre uma ciência que se queria neutra e imparcial e interesses particularistas; entre a demanda por uma concepção moderna de história fundada na crítica dos documentos, da memória e da tradição e as constantes exigências de posicionamento intelectual, em defesa da nação. Para Bonfim, escrever a história era uma tarefa ao mesmo tempo científica. Uma ciência neutra e imparcial e patriótica, sendo que o compromisso com a verdade histórica identificava-se com o compromisso com a nação.
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